Desde que me tornei mãe, em 2019, o tema da saúde mental na maternidade entrou no meu consultório. Me interessei, comecei a estudar a respeito e a atender muitas mães. Muito se fala das delícias de ser mãe, e as mulheres são frequentemente levadas a acreditar que não há nada melhor, ou que maternar é nossa natureza, que nascemos providas do chip do “instinto materno” e que o todo o cuidado que um filho demanda virá a nós de forma natural e prazerosa. Quando a minha vez chegou, descobri que não é bem assim.
Sem rodeios, trago a notícia de que nada disso é verdade, e que toda essa expectativa tem adoecido muito as mães. A primeira crença que gostaria de desfazer aqui é a do instinto materno. Nós, humanos, não temos instinto. Isso mesmo. Deixamos de ter instinto quando começamos a ter linguagem e cultura. A leoa, por exemplo, que tem instinto, não faz curso de gestação, parto e primeiros cuidados com o bebê, não tem consultora de amamentação. Nós precisamos aprender o que os animais dotados de instinto fazem… instintivamente! Dessa forma, a relação com o bebê vai ter que ser desenvolvida, como qualquer relação nova. É diferente? Sim! Mas acho importante deixar claro que não é algo que chega pronto. Você pode amar seu bebê desde a primeira vez em que segurá-lo no colo, sim. Mas esse amor também pode ser descoberto e solidificado ao longo do tempo, e isso não faz de ninguém menos mãe, pior, menos disponível. Isso não tira a potência da experiência materna. É importante que saibamos do que se trata, para podermos fazer uma construção de identidade materna mais realista, verdadeira e saudável. A maternidade pode ser uma descoberta. A descoberta de um bebê, de uma mãe, de uma família ou de uma comunidade.
Escrevo esse texto porque é esmagador para muitas mães se depararem com a realidade da maternidade, tão diferente do que vimos em filmes e livros durante toda uma vida, e não poderem admitir o que estão sentindo. Essa dicotomia entre o que a sociedade e a própria mulher esperam da maternidade e a realidade é causadora de um índice alarmante de ansiedade e depressão em gestantes e puérperas. É urgente que possamos falar sobre os nossos sentimentos reais na maternidade: que ter um bebê é difícil, que você pode sentir vontade de não estar com ele, que passar muitas horas do dia sozinha com ele pode ser exaustivo. Seu filho pode ser o maior amor da sua vida mas, muito provavelmente, essa relação é mais complexa que isso. Se tornar mãe não exclui todas as outras facetas de uma mulher. É possível que você siga amando várias outras coisas e não queira sacrificá-las, ou que tenha dificuldade de se vincular ao seu bebê, que sinta falta da mulher que você era antes, do tempo livre, das grandes e pequenas coisas que deixam de ser possíveis ou ficam mais complicadas a partir do momento em que você se torna mãe. Assim como é possível tudo isso acontecer simultaneamente a um amor inédito. Me arrisco a dizer que nunca é uma experiência só prazerosa. Todas vivemos desafios, nos lembramos da nossa infância - das partes boas e ruins – tememos pelos nossos filhos de formas que parecem irracionais.
Foi só quando eu me tornei mãe que pude entender o que algumas pessoas me diziam: ter um filho é visceral. Nos vira pelo avesso, mostra partes nossas que não conhecíamos, nos vulnerabiliza. Por mais que me dissessem que o puerpério duraria de dois a três anos, o peso de uma cultura que me disse a vida toda que eu nasci pra ser mãe superou a minha capacidade de entender o que viria. Que eu demoraria alguns anos para me sentir eu mesma de novo, ou que eu sentiria medos que não pareciam fazer sentido, ou da saudade dilacerante que eu sentiria da mulher que eu era antes de ser mãe. Meu filho já não é um bebê, e eu ainda sinto muita saudade dela.
Talvez não seja possível antever todos esses sentimentos que eu sei que não fui a única a viver. Pode ser uma daquelas coisas que só vivendo para saber. Ou pode ser que as ambiguidades da maternidade não tenham surpreendido alguma mãe, como surpreenderam a mim e a tantas outras mulheres. Mas uma coisa é certa: o adoecimento materno no puerpério é de uma frequência assombrosa – é a fase de maior vulnerabilidade psíquica na vida de uma mulher! Não há hormônio que justifique índices tão altos. Adoecemos em consequência da cultura, que anula nossa subjetividade e nos sobrecarrega como cuidadoras principais, insubstituíveis. E continuaremos a adoecer, enquanto a relação que forçadamente se estabelece com a maternidade for essa.
A boa notícia é que é possível viver a maternidade de forma saudável – embora não sem angústia. O caminho é construir a sua identidade materna de forma autoral, conhecer as armadilhas sociais, se estruturar para evitá-las e se empoderar para ter clareza do que faz sentido para você. Perguntas como: que relação quero ter com meu bebê? Que mãe eu quero ser? Em que momentos preciso ser tolerante comigo mesma? O que me nutre para que eu consiga desfrutar da maternidade em meio aos desafios que ela traz?, são um bom começo. Para além disso, a psicoterapia pode ser uma grande aliada nessa construção. Conte comigo!
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