Quando a relação com o abusador vai além do abuso
- Ju Arcanjo
- 12 de jun. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: 20 de jun. de 2024
Venho refletindo muito sobre a relação que é possível estabelecer com o abusador quando ele é uma pessoa próxima e a comunidade ou não sabe do abuso, ou não se posiciona diante da denúncia do mesmo. Nessas situações, a vítima fica numa posição delicada e angustiante de ter que decidir entre se afastar do abusador, e portanto do convívio com a família, ou tolerar a presença do abusador e manter a família por perto.
Vergonha, medo e culpa são sentimentos comumente presentes em vítimas de abuso. A pessoa muitas vezes fica confusa sobre a gravidade do que aconteceu, se pergunta se o ocorrido foi consequência de alguma ação sua (não foi. Não há comportamento que autorize nenhum tipo de violência ou abuso.), e pode precisar “emprestar” o olhar de um terceiro para legitimar (ou não) a violência que sofreu. Essa confusão é bastante determinante no comportamento da vítima diante do abusador, podendo fazê-la conviver com ele como se a violência não tivesse acontecido ou até como se fosse algo corriqueiro. Ela pode, inclusive, proteger o abusador de críticas, descrevê-lo como um “coitado”, ou até desenvolver algum tipo de afeto por ele. Algumas situações ainda passam como “brincadeira” dentro dessa nossa terrível cultura do estupro, criando a jaula onde as vítimas ficam presas, silenciadas e adoecidas.
O primeiro passo para reverter essa situação é permitir que a pessoa fale do que aconteceu em um ambiente seguro e acolhedor, validando suas percepções e permitindo que ela nomeie a violência como tal. É fundamental que a pessoa possa construir uma visão de si mesma que não é definida pela violência. Como diz Emicida¹:
Permita que eu fale
Não as minhas cicatrizes
Achar que essas mazelas me definem
É o pior dos crimes
É dar o troféu pro nosso algoz e fazer nóis sumir.

Quando o entendimento “eu não sou o que sofri nem sou responsável pela atitude do meu abusador” estiver consolidado, é possível considerar, caso o risco de uma repetição do abuso esteja afastado, o que fazer diante da possibilidade de convívio com o abusador. A pessoa pode desejar se afastar de todos, inclusive da família ou comunidade. Esse é um desejo absolutamente legítimo. Também é possível que ela queira estabelecer limites, comunicar ao grupo ou a parte dele, buscar aliados para se proteger de encontros. Algumas pessoas podem até escolher manter o convívio, caso não seja possível se afastar do abusador sem romper com pessoas muito queridas. Não existe resposta certa. A segurança estando garantida, esse é mais um passo que só pode ser dado de forma particular e autoral. Conte comigo!
¹ Emicida, AmarElo (Sample: Sujeito de Sorte - Belchior) (part. Pabllo Vittar e Majur).
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